
A falta de infraestrutura não é coisa de agora. Arlan Costa de Oliveira, 41 anos de idade e 20 de caminhoneiro, lembra que há 20 anos já enfrentava esse mesmo problema. “Não havia estrada adequada, as viagens demoravam o dobro do tempo, não tinha rodovias duplicadas e em muitos trechos, nem asfalto”, lembra Oliveira, que hoje tem seu próprio caminhão, um Mercedes-Benz 1113, 1971, com o qual transporta carga seca de Presidente Prudente, SP, para diversas regiões do Brasil. “A vantagem é que naquela época não havia pedágios”.
Gilson Antonio Alves da Rocha Júnior, 34 anos de idade e dez de caminhoneiro, proprietário de um Mercedes-Benz 1933, ano 97, também se lembra da precariedade das estradas e da falta de segurança.
Para Carlos Martins, 54 anos de idade e 15 de profissão, morador de Mirandópolis, SP, e proprietário de um Scania 113, ano 1992, tão ruim quanto às estradas, era a tecnologia dos caminhões. “Quando comecei, a tecnologia do caminhão era atrasada, não tinha turbina, não tinha potência”, diz Martins. “Eram caminhões grandes, com 130 cv, o que fazia demorar muito tempo nas viagens. Não tinha balança e todo mundo andava com excesso”.
Ederivaldo Florentino do Egito, de 42 anos de idade, lembra-se de que quando começou, há dez anos, a situação não era tão diferente. “Quando eu comecei, o pior eram os fretes”, recorda Egito, que mora em Santa Terezinha, próximo a Caruaru, PE, e possui um caminhão VW 16.200, trucado, com carroceria aberta o que possibilita carregar várias coisas, alimentos e máquinas por exemplo. “Agora está ficando pior. De 2010 até hoje, o valor do frete está ficando cada vez pior”.
Mas nem todos os problemas antigos eram de difícil solução. Nário Luiz Szinwelski, de 38 anos de idade, há 20 anos enfrentava um problema interessante. “Quando chegava a São Paulo, vindo de Curitiba, PR, a minha maior dificuldade era me localizar na capital, encontrar os endereços das ruas”, diz sorrindo Szinwelski. “Naquele tempo não tinha GPS”.
Problemas atuais
Alguns dos problemas enfrentados há anos pelos caminhoneiros persistem até hoje. Ildo Monteiro da Rocha, de 49 anos e 21 de caminhoneiro, morador em Torres, RS, e proprietário de um Scania 113, ano 1994, afirma que o problema de hoje, é o mesmo de há dez anos, ou seja, falta de infraestrutura. “O frete para autônomo é colocado na transportadora que abaixa o valor”, explica Rocha. “Não tem uma tarifa base que o autônomo possa ganhar. Hoje o maior problema é a falta de carga. A indústria pensou em parar, acaba a carga. Só se cobra o pedágio, mas ninguém pensa em colocar uma área de descanso, para que possamos parar em segurança e conforto”.
Ildo Rocha reclama que foi estabelecida uma lei que obriga os caminhoneiros a pararem para descanso, mas não providenciaram um local seguro e com infraestrutura para acolhê-los. “Aqui no Terminal Fernão Dias precisamos pagar R$ 40,00 para deixar o caminhão na rua, sem segurança”, diz o caminhoneiro. “Para que ficar parado 12 horas se o caminhoneiro está em trânsito, em viagem. O caminhoneiro que trabalha em cima de comissão irá perder, pois não poderá mais trabalhar como trabalhava. Em uma viagem de 4.000 km esse descanso de 30 minutos em cada quatro horas é desnecessário e improdutivo. Vai fazer o que nesse tempo parado?”, pergunta Rocha. “Vão virar alcoólatras. Já gostam de tomar uma cervejinha, sendo obrigado a ficar parado”, diz sorrindo.
A redução de carga também é outro problema apontado pelo caminhoneiro Ederivaldo Florentino do Egito que lembra de um tempo quando em três dias arrumava carga para retornar à sua cidade. “Atualmente, estou precisando uma semana para achar carga”, compara Egito. “Hoje, ir de São Paulo a Recife por R$ 4.000,00 não tem condições. Só de diesel gasto R$ 2.000,00. Meu caminhão faz 3 km/l, se for carreta, faz no máximo 1,5 km/l. De São Paulo a Recife são 3.000 km, ou seja, 1.000 litros de diesel. O diesel está custando uma média de R$ 2,00, o que corresponde a R$ 2.000,00 de diesel. Vai sobrar o que para o caminhoneiro? E mesmo assim tem gente que vai”.
O caminhoneiro atribui os baixos valores à falta de união da categoria. “Se nossa categoria fosse unida para estabelecer valores mínimos de frete, poderíamos ter algo melhor. Mas isso não acontece”, lamenta Egito. “O pessoal que transporta combustível, e os cegonheiros conseguem fretes melhores porque os sindicatos deles são fortes. Eles não se chamam de caminhoneiros, são cegonheiros, tanqueiros, porque têm sindicatos fortes. Se o sindicato falar que ninguém vai, ninguém vai. Tem frete bom, organização boa”.
Além da falta de carga, de união entre os caminhoneiros, existem ainda os agenciadores que, segundo ele, além de sempre falarem que tem muito caminhão (o que derruba o frete), também cobram 10% de comissão.
Arlan de Oliveira acha que a falta de informação para as mudanças que ocorrem geralmente no fi nal do ano também prejudica o dia a dia do caminhoneiro. “Todo fim de ano alguém sempre acha de inventar alguma coisa nova, uma lei, uma norma e essas normas não chegam ao caminhoneiro que acaba sendo autuado por algo que ele não conhece”, afirma Oliveira. “A maioria dos caminhoneiros é desinformada. Apareceu a lei da aferição de todos os tacógrafos e eu não sei nada sobre o assunto. Depois apareceu a lei da colocação de informação do número da placa e local do caminhão atrás, na carroceria já foi abolida. E isso é ruim, atrapalha o desempenho da função. Às vezes você está trabalhando, contribuindo com o bem do País, mas não sabe se está dentro ou fora da legislação. Falta informação para os caminhoneiros”, lamenta Oliveira que vê nas revistas especializadas, um meio mais eficiente de se informar.
Para ele, ninguém consegue construir uma casa se não tiver uma base, um bom alicerce. E para isso, seria necessária uma mudança no setor, teria que mexer na base. “Sou a favor da lei da jornada de trabalho, desde que não prejudique ninguém”, afirma Oliveira. “Mas a infraestrutura que temos não se adequa à lei. No Brasil, cabem três Europas, e o caminhoneiro sai do Sul e vai chegar ao Norte, sem bases de apoio, nem de descanso. Como ele pode obedecer a lei sem locais para descansar o tempo exigido? Hoje você paga pedágio para viajar em estradas em ótimas condições em pouquíssimas regiões, mas também paga para rodar em estradas lamentáveis e sem locais de descanso. Quando tem, não pode usar o banheiro, ou tem que pagar para isso”.
Ildo Rocha reclama por meios para aquisição de caminhões novos. “O caminhoneiro precisa de juros baixos para poder comprar o caminhão e não apenas para empresas”, afirma. “Para caminhoneiro não tem plano especial, as instituições financeiras pedem uma porção de coisas e depois que juntamos toda a papelada, não aprovam nosso cadastro”.
Gilson da Rocha Júnior diz que as dificuldades continuam as mesmas, mas o frete é o pior. “O frete não baixou”, compara Júnior. “É o mesmo de dois anos atrás, no entanto, o pedágio subiu, o diesel subiu, todos os insumos subiram, além de a quantidade de cargas ser reduzida”.
Para Sérgio Floriano da Silva, de 58 anos e 20 de caminhoneiro, que mora em Porto Alegre, RS, e transporta carga seca para o Brasil inteiro com o seu Scania “Jacaré”, ano 75, se o problema quando começou na profissão eram as estradas ruins, hoje o que “mata” são os pedágios. “O frete São Paulo/Rio de Janeiro é o melhor”, afirma Silva. “De Porto Alegre a São Paulo ganho 2.500. Vou no Rio e volto e faço R$ 2.800, percorrendo 800 km. De Porto Alegre a São Paulo são 1.200 km. O problema é que para ir e voltar de São Paulo ao Rio de Janeiro, eu gasto R$ 372,00 de pedágio, quase a mesma coisa de diesel (R$ 400,00). Não tem cabimento”.
Ele afirma não ser contra o pedágio, mas que se cobre um preço justo. De Porto Alegre a São Paulo são 13 pedágios, mas o valor total fica em R$ 100,00.
Carlos Martins engrossa o coro dos descontentes com o pedágio. “Hoje estamos trabalhando para pagar concessionárias de pedágio”, reclama ele. “Para andar na rodovia Castelo Branco, um caminhão de seis eixos como o meu, paga mais de R$ 1,00 por quilometro rodado”.
Ele afirma ter vivido os tempos da ditadura e a “falsa democracia”. “Se não pagar não sai. O direito de ir e vir foi tirado. A gente trabalha para pagar pedágio. De Três Lagoas a São Paulo, são 16 pedágios. Perdemos mais de uma hora na parada dos pedágios, gastamos 30 litros de combustível, poluindo o meio ambiente. Nos Estados Unidos, o pedágio é mais barato e as estradas são conservadas e oferecem toda a infraestrutura”.
Martins explica que em quatro viagens para Três Lagoas, o caminhoneiro desembolsa R$ 4.000,00 e pergunta onde fica o direito de ir e vir, locais para estacionar e tomar banho, com segurança? “É preciso fazer uma avaliação do valor do pedágio porque o preço está sendo abusivo”, reclama o caminhoneiro.
Futuro sombrio
Com fretes baixos, estradas sem condições, falta de infraestrutura, pedágios abusivos e falta de financiamento, fica muito difícil pensar em como será o futuro da profissão de caminhoneiro.
Mesmo assim, perguntamos aos que estavam aguardando um frete com valor que lhes permitissem voltar às suas cidades de origem, como será o futuro da profissão de caminhoneiro autônomo.
Ederivaldo do Egito acha que se continuar do jeito que está, a profissão de caminhoneiro autônomo vai acabar. “As transportadoras vão dominar tudo”, prevê Egito. “O caminhoneiro que consegue fazer conta, ainda terá uma sobrevida, mas quem vai em qualquer frete, acabará saindo do mercado”.
Ele também acha que em termos de tecnologia, será cada vez maior e melhor. “A única coisa que falta é colocar um sistema que dispensasse o motorista e o caminhão fizesse o percurso sozinho, por controle remoto, ou sistema teleguiado. Mas para este sistema ter sucesso, nossas estradas precisarão ser melhores”.
Arlan Oliveira cobra atitudes agora, para garantir a profissão no futuro. “É preciso que os caminhoneiros sejam informados, saibam o que está acontecendo na área de transporte. Daqui a dez anos, o caminhoneiro terá que ter mais informação, adequação, mais conhecimento”, antecipa Oliveira. “Quem pensa em ser caminhoneiro no futuro, deve se instruir, obter o máximo de conhecimento, formar uma base”.
Nário Szinwelski é outro caminhoneiro que vê um futuro sombrio para a profissão. “Acho que a profissão de caminhoneiro autônomo vai sumir. A transportadora está exigindo tantas coisas que vai ser difícil atender”, lamenta ele, afirmando que comprar caminhão é fácil, mas pagar as prestações é difícil com os baixos valores pagos pelo frete. “Daqui a 10 anos o caminhoneiro tem que ser muito bem preparado, tem que ter conhecimento de tudo, dos caminhões”.
Ele prevê uma conjunção de caminhão novo, estrutura razoável para atender um mercado cada vez mais exigente. “Eu achava que dirigia muito bem quando comecei, mas descobri que tinha muito que aprender e ainda hoje continuo aprendendo”, afirma Gilson da Rocha Júnior. “Hoje tem algumas opções para aprender como o Sest/Senat que oferece uma série de cursos. Mas poderia ser mais baratos para que um maior número de motoristas tivesse acesso, bem como um maior número de instituições de ensino”.
Sérgio da Silva acredita que em 10 anos a profissão de caminhoneiro autônomo desapareça. “Estão colocando mil empecilhos, querendo que a gente abra firma, coloque o caminhão no nome da firma para tirar a responsabilidades deles em caso de acidente”, se revolta Silva. “Estava trabalhando como agregado há 1,5 ano e a transportadora pediu que eu abrisse uma firma. Concordei em abrir desde que ela firmasse um contrato de três anos comigo. Não quis. Tive que sair da empresa por isso”.
Carlos Martins não vê a renovação dos profissionais. “A safra de caminhoneiros que vai se aposentar, vai acabar e o pessoal novo que está vindo aí não tem garra, coragem para o trabalho”, lamenta Martins. “Para ser caminhoneiro, tem que gostar muito da profissão, ser teimoso, sofredor, até um pouco masoquista, sofrer com prazer”.
Fornecendo mão de obra
Mas se todos os caminhoneiros ouvidos concordam em que é preciso fazer alguma coisa para manter a profissão de caminhoneiro autônomo ativa, por que não incentivam seus filhos a continuarem no caminho que estão?
Ederivaldo do Egito afirma que antigamente o caminhoneiro era chofer, respeitado, ganhava bem e hoje nem banheiro tem. “Às vezes pagamos para usar o banheiro e o banheiro está quebrado pelos próprios caminhoneiros”, lamenta Egito. “A rapaziada nova que está entrando, passou do rebite para a maconha e da maconha para a cocaína. Como vou recomendar para meu filho que ele seja caminhoneiro?”.
“Não posso interferir na vontade do meu filho, mas não seria do meu agrado que ele se tornasse caminhoneiro”, afirma Arlan Oliveira. “Pelas condições em geral. O meio em que se vive é complicado. Deixar seu filho em meio à droga, à insegurança, nas estradas cada vez pior enfrentando todo tipo de dificuldade. O que se vive hoje nas estradas é totalmente fora do que se imagina”.
Nário Szinwelski, teve apenas filhas, uma das quais já está formada. Mas se tivesse um filho, não gostaria que ele seguisse sua profissão. “Eu não vi minhas filhas crescerem, viajava muito. Quando chegava em casa, elas já estavam em um outro plano, foi difícil para mim. Queria ter visto elas crescerem”.
“Meu filho nem pensa em ser caminhoneiro”, diz Sérgio Silva com orgulho. “Paguei faculdade para ele, e ele está bem. A vida de caminhoneiro é muito sofrida, eu quase não vi meus filhos crescerem. Parava muito pouco em casa. Para pagar as faculdades deles, eu tive que ficar vários meses fora. Ficava um mês em São Paulo e minha mulher vinha no outro mês. Um dia, ficamos 52 dias sem voltar e os filhos ficaram preocupados”, diz Silva dando muita risada.
Gilson da Rocha Junior também não gostaria que seu filho fosse caminhoneiro, pelas dificuldades da profissão. “Normalmente o filho quer ser igual ao pai”, explica Rocha Júnior. “Mas com a informática, o caminhão está sendo deixado de lado, mas, mesmo não gostando, eu deixaria meu filho ser caminhoneiro”.
Carlos Martins usaria o “plano B”. “Se meu filho quisesse ser caminhoneiro não interferia, mas iria dizer o que ele iria sofrer na profissão e que seria melhor ele estudar muito e praticar esporte”.
Orgulhoso de sua profissão e querendo dar uma força para que ela continue por muitos e muitos anos, Ildo Rocha deixaria seu filho seguir sua profissão sem problema algum. “Tenho um sobrinho que trabalhou 10 anos em uma empresa, juntou dinheiro, comprou um caminhão e foi para a estrada”, conta orgulhoso. “Caminhoneiro é a única classe que briga para trabalhar. Quando a gente chega em uma empresa e briga para descarregar logo é para carregar outra carga e pegar a estrada de novo. Nossa correria é para trabalhar. Mas o povo ainda não entendeu que o que a gente quer é trabalhar. As leis são apenas para privilegiar os automóveis. Não têm leis para ajudar os profissionais”.
Fonte: Revista Caminhoneiro
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