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sábado, 3 de novembro de 2012

A travessia da cordilheira

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Comboios de cavalos mecânicos zero quilômetro saem do Brasil para atender os importadores da América Andina. E cada viagem através dos Andes e do Atacama acaba se tornando uma saga épica para os bravos caminhoneiros

Romulo Felippe
Argentina/Chile
Pouco mais de nove horas de uma manhã fria, apesar de ensolorada, no pátio aduaneiro do Paso de Jama – na áea fronteiriça com o Chile. Bem ao longe, na retilínea Ruta 52, surge um comboio de caminhões um tanto incomum: 14 cavalos mecânicos da Volvo, seguindo em fila indiana e conduzidos por caminhoneiros brasileiros. São modelos zero quilômetros que saíram da linha de produção da montadora, em Curitiba, e que serão entregues no Peru. Na solitária rodovia o que se via era um verdadeiro desfile dos modelos FH 440 e do off-road FMX.
Um a um, os cavalos mecânicos foram estacionando na aduana argentina. Ágeis, os motoristas prepararam um verdadeiro banquete no café da manhã. Sabiam que, na sequência, enfrentariam uma travessia perigosa na divisa com a Bolívia – uma terra ‘sem dono’ – além da perigosa descida da Cordilheira dos Andes rumo ao Deserto do Atacama. Todos os caminhoneiros trabalham para a ABC Cargas, empresa com sede em São Bernardo do Campo e que transporta, mensalmente, cerca de 2,5 mil unidades de caminhões e ônibus zero quilômetro.
Pedro Inácio Rodrigues, mais conhecido como Brigadiano, é um dos mais experientes do grupo. Com 49 anos, sendo dez deles na rota internacional, o gaúcho recorda que sua primeira viagem pelos Andes e o Atacama foi de fato uma grande aventura. “Era estrada de chão batido. Na minha primeira vez atravessei com um chassi de ônibus Mercedes. Naquela época não vinha com cabine e precisava dirigir ao ar livre, de capacete e tudo, encarando o frio e os fortes ventos de peito aberto”, recorda. Nas noites densas utilizava um saco de dormir e muitos casacos. Hoje, entretanto, os tempos são outros – diz o caminhoneiro.
Gaúcho de São Borja, José Ubirajara Batista (36 anos e três no trecho) veio diretamente do Exército, onde militou por 9 anos, para a boléia. Ele dirigia caminhão na 2º Cavalaria Militar Mecanizada, o que o ajuda a enfrentar os obstáculos presentes nessa nova rota comercial através dos Andes. “Fiquei 15 dias no povoado de Susque, ano passado, encarando o frio e a neve. Mas pelo menos estava em um cavalo zero quilômetro”, brinca o estradeiro, que garante: “para enfrentar essa cadeia de montanhas no comando de um bruto tem que gostar, e muito, da profissão”. Outro colega, o Antônio de Abreu – conhecido como Pato Rouco – tem 42 anos de idade e conta que em cada viagem aprende um pouco mais: “faço essa rota há seis anos. Sempre que chego a Jujuy, antes de subir a cordilheira, ligo para a guarda do Paso de Jama para saber se está transitável ou não em função das nevascas”.
Carlos Vaz, de 34 anos, dirige um bruto desde 1994 – sendo oito anos nessa rota, conduzindo caminhões zero quilômetro. “Para mim o maior risco, além dos penhascos, são as tempestades, que chegam muito rápido e deixa os caminhoneiros desnorteados”, explica. Natural de Uruguaiana, como a maioria dos colegas de comboio, ele conduz o Volvo FH 440 que lidera o grupo na estrada. Todos seguem na mesma ‘tocada’ pelos confins andinos.
Revista Caminhões seguiu com o comboio de cavalos mecânicos da Volvo até San Pedro do Atacama, no coração do deserto. E constatou que essa turma, além de hábil ao volante, herdou o próprio DNA da cordilheira nas veias. O retorno para o Brasil seria, para eles, outra grande jornada – mas agora nos bancos de ônibus. Mas como passageiros…

A LONGA JORNADA DE VOLTA

Se de um lado o motorista de cavalo mecânico zero quilômetro tem o prazer de conduzir o bruto novinho em folha para países como Peru e Chile, de outro existe a dura volta para casa – mas de ônibus, como passageiro. E em muitos casos a viagem se torna uma longa jornada. Segundo o caminhoneiro Daniel Gonçalves Figueiredo, o Indiozinho (31 anos e há uma década fazendo a rota “só de zero”), o trabalho é duro mas compensador.
“Depois que entreguei o Volvo FMX na fronteira do Chile com o Peru, peguei um ônibus pequeno até Arica (cidade chilena). De lá outro para Calama, seguindo dali para Guemes. E Guemes peguei outro ônibus para Corrientes, na Argentina, e por fim dali fui para minha cidade natal, Uruguaiana”, conta o motorista brasileiro. São dois dias de busão, caso não haja nevasca. Outros caminhoneiros de zero quilômetro costumam retornar pela Bolívia, que é mais perigoso “em função das guerrilhas”, garante oIndiozinho.
Aos 24 anos, o brasileiro Jorge Luiz Rodrigues Júnior, que é de Passo Fundo, conta que conduz os modelos novos há um ano pelo rota internacional – mas tem carteira há quatro. Era motorista do Exército: “a turma militar sai de lá e vem dirigir caminhão”. Acomodado em um ônibus de dois andares, que parte de San Pedro do Atacama rumo à Argentina, ele conta que consegue até descansar no retorno para casa. Mas seus sonhos são povoados por momentos difíceis encarados na condução dos brutos.
“Certa vez peguei uma tempestade tão forte que arranhou toda a pintura do Volvo FH. Chegou a ‘cromar’ a cabine por fora, que era preta. Nunca vi nada igual. O vento sacudia a boléia de tão forma que, dependendo da posição, poderia até tombar o cavalo mecânico”, relembra, agora de dentro do ônibus. Antes de esticar as pernas e deitar a poltrona, sussurra: “é uma viagem puxada a de volta, muito cansativa mesmo. Se pudesse escolher eu prefiro voltar dirigindo um caminhão”. Mas ele sabe, enfim, que faz parte do processo de logística reversa.

ABC Cargas reina na rota

A maior parte dos cavalos mecânicos que saem do Brasil rumo aos países andinos está aos cuidados da ABC Cargas, sediada em São Bernardo do Campo e com filiais em Porto 15 anos de mercado, a empresa transporta – rodando ou embarcado em pranchas – cerca de 2,5 mil caminhões e chassis de ônibus zero quilômetro para toda a América Latina. Contando com inúmeros de motoristas terceirizados, a ABC possui 158 funcionários e uma frota com 30 caminhões, 33 Pranchas, 41 Baús e um crescimento anual médio de 20%.
Segundo Danilo Guedes, Diretor Operacional da ABC Cargas, entre as principais vocações da empresa está o transporte internacional de cargas, Transporte Nacional e Internacional de caminhões e ônibus. Com 18% de Market Share, levando em consideração a produção de caminhões de 2011 (Anfavea) a ABC se consolida como a maior empresa de transporte de caminhões e ônibus por meios próprios da América do Sul.
Entre seus principais clientes estão Scania, Volkswagem, Mercedes Benz, Volvo, entre outros. A empresa conta com profissionais qualificados e treinados pelas maiores indústrias automobilísticas do país. Os motoristas instrutores da ABC oferecem treinamentos específicos para operações e manuseios de caminhões e ônibus.  “Nossa principal meta é entregar um serviço de alta qualidade, diferenciado, que atenda ultrapasse às expectativas de nossos clientes, com um preço justo e no prazo estabelecido”, destaca Danilo Guedes. “Acredito que seja por isso que algumas empresas estão conosco desde o princípio.”
A empresa possui rastreamento de suas cargas, monitorando os veículos por meio de GPS. Outro diferencial da ABC é o rastreamento de todos os caminhões zero quilômetro. Em todas as viagens os caminhões seguem com o localizador, instalados em pontos estratégicos dos brutos, que possibilitam a interação on-line com o produto. Além disso foi construído um histórico de todos os pontos de checagem, chegadas e saídas de fronteiras, postos alfandegários, passagens por aduanas intermediárias, até a entrega final do produto em seu destino.
É a unidade de negócio responsável pela Logística de Transporte Internacional de Cargas. “Possuímos escritórios e pátios próximos aos terminais aduaneiros onde conseguimos agilizar os tramites do comércio exterior e darmos o apoio logístico necessário em toda nossa rota de atuação. Nossos veículos são dotados de equipamentos satelitais, o que nos permite através de nossa própria Central de Monitoramento o perfeito controle do tráfego, diminuindo o risco de roubo e o cumprimento dos prazos estabelecidos com os nossos clientes”, afirma. A empresa é registrada e autorizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestre a realizar o tráfego entre Argentina, Chile, Perú e Venezuela.

A NOVA GERAÇÃO DE CAMINHONEIROS

Com pouco mais de um ano na condução dos brutos, jovens motoristas encaram os desafios da rota internacional e mostram que a profissão ainda é promissora

Não apenas no Brasil mas em todo o mundo a escassez de profissionais do volante tem sido uma constante nos pátios das transportadoras. Mas pelo menos no transporte internacional uma nova geração de caminhoneiros surge como forma de alento para o setor. Na rota entre Argentina, Chile e Peru jovens com pouco mais de um ano de CNH ganham as estradas e começam a escrever suas histórias de dentro da boléia do caminhão.
No ramo de cavalos mecânicos zero quilômetro, conduzidos rodando para a América Andina, a incidência de jovens profissionais é grande. Bruno Pavin, de 25 anos, é um deles. Tirou sua habilitação há um ano e de cara enfrentou seu ‘batizado’ rodoviário através da Codilheira dos Andes. Ele faz três viagens por mês ao Peru: “difícil é quando o Paso de Jama está fechado em função da neve. Já passei 41 dias preso aqui à base de chimarrão para espantar o frio”. Bruno conta que há três meses um amigo teve o Volvo FH zero quilômetro roubado pelos piratas bolivianos.
Também há um ano na estrada, Tiago Fedigo (24) começou desde garoto a conhecer o mundo estradeiro, acompanhando o cunhado caminhonheiro pelo Brasil afora. Natural de Uruguaiana e rumando para o Peru, o gaúcho diz que ama a profissão: “é muito tranquilo isso aqui. Não me estressa muito, principalmente com a beleza insusitada dessas paisagens”. Com 30 anos, Marlon Lopes Conceição leva os cavalos mecânicos de fábrica há dois anos e não pensa em fazer outra coisa: “é uma rota muito boa para trafegar”.
Nascido em São Borja, Elton Silveira (34) relata que realiza um sonho antigo ao dirigir um caminhão pela rota internacional. “Desde criança esse era o meu sonho. Até demorei a realizá-lo mas quando surgiu a oportunidade não desperdicei. Antes era soldador. Estou muito feliz e vou seguir na carreira”. Ele deseja, um dia, dirigir carretas na transportadora que atua, a ABC Cargas. Só espera sua chance.
Mesmo depois de ficar 16 dias preso na neve, a uma temperatura mortal de 16 graus negativos, o gaúcho de Uruguaiana Evaristo Cardoso Júnior, de 26 anos e um ano e meio como caminhoneiro, conta que nada o fará desistir da profissão. “Até porque o motorista que supera os obstáculos dessa rota entre os Andes e o Atacama está pronto para encarar qualquer estrada do mundo”, afirma o jovem profissional do volante. Enfim, eis que surge uma nova geração de estradeiros!
Fonte Revista Caminhões.com.br

Um comentário:

  1. Boa tarde sou Carlos como faço para fazer parte desta caravana de transporte para o Chile.

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